LGPD exige que a inovação digital siga o conceito “Privacy by Design”
Paulo Henrique Pichini*
A revolução digital ocorrida nos últimos 12 meses mudou o Brasil para sempre. É o que constatou a edição 2020 da Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária: 74% das transações bancárias aconteceram por canais digitais. Relatório da Câmara Brasileira de Economia Digital e da Neotrust divulgado no fim do ano passado mostra que, entre novembro de 2019 e novembro de 2020, o faturamento do comércio eletrônico cresceu 122%. Para os analistas do IDC, trata-se de uma tendência global: o relatório IDC FutureScape for Worldwide Digital Transformation 2020, mostra, que até 2022, 65% do PIB mundial deverá vir de negócios digitais.
A mais importante transformação, porém, é a inovação digital.
As empresas que saem na frente com uma nova e disruptiva proposta de UX são, hoje, as maiores corporações do mundo. É o caso do Uber. Ao implementar uma oferta totalmente digital de serviços de transportes – o App é o coração do negócio -, acabou criando o conceito da “uberização” da economia. O Brasil também conta com seus gigantes da inovação digital, empresas que investem na melhoria contínua da UX oferecida a clientes e colaboradores. Esse grupo inclui o banco Original, a Casa dos Ventos e a Novelis, entre muitas outras empresas.
Desde agosto de 2020, no entanto, líderes brasileiros em inovação digital estão avaliando o impacto da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) sobre seus processos. Boa parte das aplicações de inovação digital usam tecnologias como inteligência artificial e machine learning para coletar e analisar dados estratégicos para o negócio. Os dados gerados por dispositivos IoT instalados em um shopping center ou pela jornada de um cliente dentro de um portal de e-commerce geram insights que serão usados no desenho de novos processos e ofertas.
Antes da chegada da LGPD, dados pessoais como endereço, data de nascimento, CPF, orientação sexual, dados de saúde, localização geográfica, orientação religiosa, e-mail, telefone celular e até a imagem do cliente eram coletados sem que a pessoa tivesse poder sobre a manipulação e o uso comercial dessas informações.
Consumidores da geração Millennial: foco na privacidade das suas transações online
Há segmentos do mercado que são especialmente sensíveis a essa questão. A pesquisa Concerns About Online Data Privacy, realizada em 2019 pela ONG Internet Innovation, mostra que 67% dos consumidores dessa geração estão preocupados com a possibilidade de ter seus dados pessoais expostos e usados em fraudes. Estatísticas como essa sinalizam uma profunda mudança cultural em curso, que afeta as decisões de compra de produtos e serviços pelos consumidores. Cresce a cada dia a consciência de que dados pessoais pertencem à pessoa, não à empresa que gerou, processa ou arquiva esses dados.
Essa desconfiança do cliente final sobre o tratamento dado a seus dados pelas empresas é retratada na pesquisa Data Privacy Benchmark Study, desenvolvida pela Cisco em 2020 a partir de 3200 entrevistas com profissionais de cyber segurança de 18 países, incluindo o Brasil.
O estudo mostra que as empresas que estão trabalhando para se alinhar a leis de privacidade de dados como a GDPR (Europa), LGPD (Brasil) e CCPA (Califórnia, USA) conseguem acelerar suas vendas e engajar o consumidor. O correto tratamento dos dados privados dos clientes é expresso, por exemplo, por meio de formulários que solicitam permissão para gerar, processar e arquivar algumas informações pessoais. Essa mudança, um passo essencial para caminhar em direção à conformidade com as leis de privacidade de dados, influencia as decisões de compra dos consumidores. Segundo a pesquisa, as empresas que estão mais atrasadas na cultura de privacidade de dados enfrentam 60% a mais de dúvidas e cancelamentos nas decisões de compra do que as empresas que comprovaram sua adesão às novas leis.
A diferença na velocidade entre a expansão dos ambientes digitais e sua conformidade à privacidade de dados segue trazendo desafios.
Em 2021 e nos próximos anos, ganhará a confiança dos clientes quem trabalhar dentro da visão de “Privacy by Design” (PbD), ou privacidade desde a fase do projeto. A inovação digital tem, agora, de entregar encantamento, desempenho, excelente UX, conectividade e, também, privacidade de dados.
Atingirá esse alvo quem contar com equipes multidisciplinares de desenvolvimento de projetos de inovação digital. Trata-se de tecer um projeto digital que acelere o atingimento das metas de negócios e, ao mesmo tempo, preserve a privacidade de clientes, colaboradores e parceiros. É importante compreender que a privacidade de dados é uma meta a ser buscada de maneira contínua, exigindo a soma de conhecimentos em TI, cyber segurança, governança e legislação. Essa realidade está levando consultorias de inovação digital a irem além da conquista de novos talentos internos e realizarem alianças com empresas que agreguem valor à jornada em busca da privacidade digital.
Os consumidores brasileiros estão atentos a essa questão. De acordo com o Instituto Brasileiro do Consumidor (Idec), as queixas sobre problemas com transparência e uso inadequado de informações pessoais cresceram 1134% entre 2016 e 2018. A principal reclamação é em relação à publicação e à consulta ou coleta de dados pessoais sem autorização do consumidor – isso totaliza 63% do total de reclamações.
O correto tratamento dos dados pessoais aumenta o engajamento, a confiança e o potencial dos negócios. O conceito de Privacy by Design é algo ainda novo no nosso mercado. Num primeiro momento, a necessidade de integrar universos antes distantes pode atrasar alguns projetos.
Dois fatores, porém, determinam ser esse um caminho sem volta. A LGPD veio para ficar e, além de seu impacto interno, eleva a credibilidade das empresas brasileiras em um mundo cada vez mais obcecado por privacidade. A outra razão dessa transformação é pessoal: ninguém mais aceita ter seus dados vazados, vendidos e explorados de forma indevida.
*Paulo Henrique Pichini é CEO & President da Go2neXt Digital Innovation.